quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O filme "O clube" e a Igreja Católica entre Deus e o Diabo.


Ao final da exibição de “O Clube “, o novo filme do diretor chileno Pablo Larrain, uma frase vinha em looping na minha mente como uma espécie de mantra: “Se não existissem pobres, os santos não seriam necessários”. Essa frase foi proferida no início do longa por um personagem e define bem o papel dos padres na América Latina: a representatividade divina em meio as tragédias sociais do povo americano. E que tragédias!!


O filme se passa em uma cidade litorânea chilena e conta a história de padres e de uma suposta freira, que por algum motivo foram afastados de suas funções eclesiásticas. Vivem em uma espécie de retiro, onde só podem se comunicar entre si e passam o dia entre orações, refeições e treinando um cão de corrida para que participe de uma competição local. Tudo parece mudar graças a chegada de um padre, supostamente envolvido com casos de pedofilia e de uma de suas vítimas à cidade, que passa a persegui-lo de modo que o padre comete suicídio. Para investigar o ocorrido, um outro padre mais jovem e aparentemente de uma ala menos conservadora da Igreja, decide residir junto aos outros para confrontá-los perante seus pecados passados. Claramente se referindo ao novo momento da Igreja Católica (um dos personagens chega a definir o novo padre como “um franciscano” em uma clara referência ao novo Pontífice) o longa busca por meio da fotografia cinzenta e cheia de sombras, ressaltar a escuridão do caráter dos padres. Em determinados momentos, a câmera busca desenquadrar e tornar turva a ação que ocorre na narrativa- o que aliás é uma característica de Larrain também usada no seu outro filme,”No”- para enfatizar a perplexidade e confusão de suas ações passadas e atuais.
Na medida que a narrativa avança, vamos testemunhando as atrocidades cometidas por aqueles velhos padres. Em um grau de cinismo que beira o inacreditável, nenhum deles parece se arrepender de seus crimes. Pelo contrário, se vangloriam e até mesmo justificam os atos em nome “de Deus”. Confesso que em certos momentos, senti ânsia de vômito e tive repulsa ao que era narrado.
O longa busca acompanhar também o homem vítima dos abusos sexuais do padre suicida e sua sobrevivência em meio a cidade. Com traumas psicológicos latentes, o homem vive uma relação de amor e ódio com a religião e com seus traumas de criança. Em um determinado momento, ao se mostrar homossexual, ele confessa que o padre abusador foi o único a entender sua orientação e assim, demonstra claramente uma espécie de Síndrome de Estocolmo que impacta fortemente no espectador.
Outro destaque é o papel do jovem padre que chega a cidade para investigar seus companheiros. Um jovem  que inicialmente se apresenta como uma salvação a velha estrutura da Igreja, mas que aos poucos se mostra um defensor ferrenho da velha Igreja ao ponto de fazer qualquer coisa para preservar a honra da mesma.
Com uma boa reviravolta no final, o filme apesar de repugnante na temática, é didático na forma como a narrativa exibe e enfatiza todos os crimes cometidos pela Igreja Católica e sua tentativa de expurgar e de evitar trazer à tona toda a sujeira deixada debaixo do tapete. O longa é fundamental para que possamos repensar nossas Instituições religiosas e o quanto que as mesmas nos corrompem em nome de um Deus que não passa de um Diabo.Como bem diz o padre que treina o cachorro de corrida em um determinado momento da narrativa, “O cachorro se humaniza com meu treinamento”. De pronto, recebe como resposta do jovem padre “e ele animaliza você”.
Pude relacionar o final do filme a velha questão atual de que o Papa Francisco representa uma revolução para a Igreja.  Uma bobagem constantemente proferida e que não reflete a realidade. Mal comparando, seria como se você tivesse um chefe legal, inteligente, educado, que te respeita e te trata muito bem. A questão é que mesmo assim, ele continua seu chefe e no menor erro seu ou se aparecer alguém melhor, mais competente e menos custoso para a empresa, ele te demitirá do mesmo jeito. É assim o Papa. Ele representa algo maior e mais poderoso e que nada tem de libertador.

Um filme que não é prazeroso de assistir, mas essencial pela temática abordada.

Ps: reparem nos detalhes do figurino dos personagens, em especial ao do homem vítima dos abusos do padre suicida. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Governar é fazer alianças. Governar é botar a cara pra apanhar. Política é negociar com inimigos em prol de um objetivo

Eu nunca passei fome. E espero nunca passar. Creio que seja o maior sofrimento que alguém pode sentir na vida. Ainda mais ver um filho ou alguém querido morrer de fome sem poder fazer nada. De não ter o que comer,apesar de sobrar alimentos pelas fazendas intensivas da região onde mora.Eu não preciso ser gay para combater a homofobia. Assim como eu não preciso ser negro para condenar o racismo  ou ser imigrante para condenar a xenofobia.Elegemos no domingo, o parlamento mais conservador desde 1964, o ano do Golpe Militar. Governar com gente que prega ódio a outrem não será fácil. Sim, governar se faz com alianças. Nem sempre claras,nem sempre lógicas.Mas é preciso governar e é preciso se fazer concessões para tal.
Eu era uma criança ainda,mas já entendia um pouco do sofrimento do meu pai desempregado tendo que sustentar minha mãe, meu irmão e minha vó. Ficou muito tempo procurando emprego e não achava. A cara de derrota transparecia  toda a manhã quando saía para procurar emprego. Tempos difíceis. Eu sei que o trabalho não dignifica ninguém,mas  para um  cidadão é o minimo que ele pode ter. Como era um ser maravilhoso, contou com a ajuda de amigos e graças ao seu esforço,conseguiu ser empregado novamente.Mas e aqueles que não tinham essas mesmas condições? Eram vagabundos?Bem, o presidente da época chamou os aposentados de vagabundos por quererem melhores condições previdenciárias. Tempos difíceis.

Hoje, meu irmão que mal para em um emprego, consegue outro rapidamente e pode até escolher qual o "melhor". 

Mas por que eu estou contando isso?

Bem, o Brasil hoje foi retirado do mapa da fome mundial. Temos uma inflação que não é nem  um terço da época do meu pai e eu estou cursando mestrado em uma Universidade Pública como aluno bolsista. Não sou exemplo para ninguém e sei que sou exceção em um país ainda muito desigual e injusto. Mas seria leviano da minha parte não reconhecer os avanços.

Me lembro das filas no INSS, onde era preciso dormir  para marcar perícias. Me lembro da impossibilidade de se viajar de avião ou até mesmo de se reservar um hotel para as férias. Me lembro do salário mínimo  que mal dava para financiar um computador ou comprar uma TV. Me lembro de estudar no CEFET-MG e não ter um almoço decente ou professores para cumprir nossa grade curricular. Esses foram os anos de Fernando Henrique Cardoso como presidente do Brasil. Não quero sentir novamente o gosto disso.

Quero um governo que avance e que aprenda com os erros cometidos. Quero um governo que investigue a corrupção e que não a empurre para as gavetas do Ministério Público aparelhado por amigos. Quero um governo que invista em políticas sociais e educacionais. Não quero um governo perfeito,porque isso é demagogia barata,mas quero um governo que puna civilmente e/ou criminalmente aqueles que forem corrompidos. Ou seja, é preciso investigar o Judiciário também.

Quero um governo que distribua renda e impostos de forma mais justa, abarcando as necessidades e ganhos de cada um. Quero um governo que não arroche os salários para que o P.I.B cresça e satisfaça os rentistas, aqueles cidadãos que não fazem nada ,além de emprestar dinheiro para gente honesta morrer pagando juros sobre juros.  É isso.

AHHH, meu voto é Dilma.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Rectify e o conceito de liberdade em xeque.


Somos seres livres? Eis uma das perguntas mais antigas e mais estudadas pela filosofia em milênios. O conceito de liberdade para o senso comum sempre é associado à  ideia de  ir e vir de todos os cidadãos e o seu antônimo mais claro se encontra no cárcere. Mas será mesmo que somos livres apenas em relação ao direito de ir e vir como  garante nossa Constituição? Bem, após assistir a série “Rectify” confesso que essa lógica foi totalmente desfeita.

Talvez o conceito que mais se encaixe na lógica da Liberdade mostrada na série seja a da filósofa e líder política Rosa Luxemburgo. “A Liberdade é quase sempre, exclusivamente a liberdade de quem pensa diferente de nós.”. Vou explicar mais adiante.
A série tem como tema base a libertação de Daniel Holden, acusado de estuprar e assassinar sua namorada e que permaneceu dezenove anos detido no corredor da morte no estado da Geórgia. Após um exame de DNA feito no sêmen encontrado na garota, descobriu-se que o material não era de Daniel e devido à falta de provas mais contundentes, ele é posto em liberdade e volta para casa.

Apesar de não apresentar um roteiro inovador, a série merece destaque pela forma como aborda o tema, além do extremo domínio da linguagem do audiovisual. Em seus seis episódios, conseguimos estudar claramente o perfil de Daniel sem a necessidade da série utilizar diálogos expositivos.Conseguimos capturar visualmente o espaço em que ele está inserido (uma cidade pequena, conservadora e dominada por religiões protestantes) ao mesmo tempo em que consegue desenvolver os personagens secundários (com destaque para a irmã de Daniel, Amantha), além de suas motivações e crises existenciais. Aliás, diálogos não são a base da série que prefere se concentrar no uso das técnicas de imagem,como fotografia,montagem e direção de arte para contar a história,uma ideia  que acaba  sendo  muito bem executada e que cria uma gama de interpretações para o telespectador.  

Voltando ao conceito de liberdade, é de uma maneira bem orgânica que visualmente  o território onde Daniel se encontra preso é construído. E quando eu digo preso não é necessariamente o espaço físico do corredor da morte, onde ele parece se encontrar mais “livre” do que no mundo exterior.Esse é o conceito chave da trama. No quarto episódio da série por exemplo,“Caverna de Platão”, Daniel vai com sua mãe até um Hipermercado fazer compras e praticamente sem o uso de diálogos e utilizando de tomadas de  câmeras abertas e panorâmicas, a série mostra o deslumbramento de Daniel com a tecnologia das TVs Full HDs, da lógica de produção e de organização do espaço e da mudança socioeconômica do mundo nestes últimos 19 anos em uma clara alusão aos escravos da Caverna de Platão que passam a ver o “mundo real” após se libertarem das “sombras” do lugar. E isso é mostrado através da belíssima fotografia com cores fortes e contrastantes do Hipermercado. Para Daniel, o simples uso de uma celular, ou a simples  leitura de um código de barras de uma mercadoria  pode parecer um desafio.

Através de Flashbacks, a série mostra a relação de Daniel com os colegas de prisão, em especial com um jovem negro que se encontra na cela ao lado e através disso, começa a desenvolver o tema central da série; Daniel é ou não culpado pelo estupro e assassinato de sua namorada? Ao mostrar a prisão com uma paleta de cor extremamente branca, temos claramente expresso o antagonismo de um corredor da morte a assassinos e sangue, ao mesmo tempo, humaniza aqueles detentos que lá estão. É extremamente bem utilizada a montagem, por exemplo ao cortar de uma cena de Daniel na prisão para uma em que o mesmo se encontra trancado em seu quarto sem querer sair. A lógica é de que mesmo livre, Daniel se encontra preso, ou melhor, quer continuar preso em um espaço aberto. Por que será? Por que se sente culpado? Ou é porque não se acostumou com a ideia de estar em um espaço maior?

A recepção da cidade a chegada de Daniel é expressa de forma contundente sem se entregar aos clichês habituais. Desde seus familiares que não sabem lidar com uma pessoa que ficou 19 anos ausente de seu convívio, até a opinião pública que parece não acreditar que um criminoso esteja circulando pela cidade, temos exemplos bem construídos de que nossa sociedade falhou quanto ao processo de “vigiar e punir” e ao de inserção de ex detentos na mesma. Tudo para Daniel é novo. Desde a saudade de deitar sobre a grama de um parque, até voltar a ouvir música de seu “walkman” esquecido no sótão de sua casa. A ideia que temos é de uma analogia a uma criança recém-nascida observando ao mesmo tempo com espanto e deslumbramento, o mundo novo que se mostra para ela e como que o conceito de espaço e liberdade são dúbios.  O referencial e a comparação  são fundamentais para revertermos nossos pontos de vista em relação a liberdade que temos e como a liberdade é vista pelo outro. Contando com um encerramento de temporada impactante, “Rectify” foi renovada e terá uma segunda temporada de 10 episódios em 2014.

Para terminar, cito mais uma frase de Rosa Luxemburgo que ilustra bem a série e sua abordagem. "Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem"


Fica a dica.  

domingo, 17 de julho de 2011

Incêndios: Um filme sobre a perda da Inocência

194893 FICHA TÉCNICA
Diretor: Denis Villeneuve
Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Rémy Girard, Allen Altman
Produção: Kim McCraw, Luc Déry
Roteiro: Denis Villeneuve
Fotografia: André Turpin
Trilha Sonora: Grégoire Hetzel
Duração: 130 min.
Ano: 2010
País: Canadá
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imovision
Estúdio: micro_scope
Classificação: 14 anos

1 + 1=1
Essa equação define a trama da grande produção canadense “Incêndios”.

     O filme tem início com uma cena emblemática. Mostra um grupo de jovens tendo seus cabelos raspados por uma espécie de milícia do Oriente Médio, evidenciando que são os jovens, por perderem a inocência, os mais afetados pela guerra na região. E essa será a tônica do filme; A inocência perdida. Depois de um corte seco, vemos um advogado e ex chefe de uma falecida mulher, imigrante libanesa radicada no Quebec, fazendo a leitura do testamento, frente a seus filhos gêmeos. Dentre os desejos pós-morte da matriarca, duas coisas intrigam seus filhos. A revelação de que tem um irmão e de que o pai deles, ainda se encontra vivo. Além disso, o testamento diz que a mãe só poderá ser enterrada de forma decente após seus filhos encontrarem o irmão e o pai, além de entregarem aos mesmos, cartas. A partir daí, partimos em uma missão sensacional e cheia de reviravoltas pelo passado da mãe, seja por flashbacks ou pela investigação de seus filhos pelo Líbano. Eis aqui, os grandes trunfos do filme; Primeiro, sua Montagem, que é ágil e sutil o suficiente a ponto de nos confundir entre a jornada da mãe e da filha. Ambas percorrem o mesmo trajeto em temporalidades diferentes de maneira bem orgânica, graças também, em segundo lugar, à belíssima Fotografia e Direção de Arte, que com pequenos detalhes, como o crucifixo carregado tanto pela mãe e pela filha, por exemplo, mas em tempos distintos, que nos evidencia a relação de fardo repassado como herança da mãe para a filha.
   E em terceiro lugar vem o roteiro que, muito bem construído em cima da pista (As cartas para o pai e o filho) e na recompensa (qual o conteúdo delas), cria uma narrativa que sempre nos mantém presos as reviravoltas construídas. Se por um ponto, a narrativa se mostra impossível, por outro, ela se revela apenas improvável, o que ao longo da projeção, acaba nos brindando com grandes ironias dramáticas (reparem na paixão dos gêmeos e da mãe por piscinas, frente aos “incêndios” e a aridez vivenciada pelos mesmos ao longo de suas vidas). O roteiro nomeia os atos narrativos a ponto de nos manter mais focado no enredo e em suas mudanças temporais, que facilita muito o entendimento da trama, mas sem deixá-la superficial e frágil.
Mas o grande destaque do filme é o arco dramático vivenciado pela mãe ao longo da narrativa. Se em um primeiro momento, não conseguimos definir bem a agonia sentida pela personagem, ao longo da projeção, passamos a compactuar com seus dramas e passamos a desconstruir sua vida. De uma mulher alegre e feliz, mesmo que vivendo na pobreza, passamos a presenciar suas torturas, desde a morte do seu amado, separação junto a seu filho, até a fatídica cena na piscina coletiva. Tudo isso em um cenário cercado pela injustiça e ódio étnico-religioso entre povos. Impressionante é o contraste da fotografia do filme ao retratar tanto o Líbano, quanto ao Canadá, de forma árida, sem vida e até mesmo com tons pastéis, mostrando que a tristeza a acompanha aonde quer que ela esteja.
Outra grande ironia dramática estabelecida pelo filme se refere à Equação 1+1=1. O professor da filha, que é matemática, lhe diz que ela precisa resolver a equação da sua vida para poder viver em paz. E eis que junto ao seu irmão, encontra a resolução ideal da mesma em sua vida. A grande questão que nos permeia após o fim do filme é como será agora a vida deles, diante das descobertas estabelecidas ao longo da narrativa?Os gêmeos que se mostram tão racionais no início do filme, sabem que a equação de suas vidas é tudo, menos racional. Quando conseguem resolver a equação e a narrativa encontra seu fim, nossa sensação é de abafamento, não só em relação a todo arco dramático percorrido, mas principalmente em relação ao futuro daquelas personagens.

 Eis o papel de um grande filme.  E evidencia a qualidade técnica do diretor Denis Villeneuve. Assistam!!!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma análise do Documentário "Capitalismo, uma história de Amor" feita por um aluno




Um aluno meu, Bruno Marques fez um ótima análise do documentário do Michael Moore "Capitalismo: Uma história de Amor" e decidi publicá-la aqui neste malfadado e abandonado blog deste que vos escreve. Espero que gostem e em breve, voltarei a escrever.



CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
                    DISCIPLINA: GEOGRAFIA                                  PROFESSOR: DANIEL MOREIRA                     
                    ALUNO: BRUNO MARQUES MACIEL                                CURSO: INFORMÁTICA – 2º ANO

Capitalismo, uma história de amor
Uma amostra de como o sofrimento de uns se torna uma novela apaixonada entre ricos e o seu dinheiro através desse sistema, o capitalismo.

“Capitalismo, uma história de amor” é um documentário dirigido pelo famoso e polêmico diretor Michael Moore no ano de 2009, entre os meses de fevereiro e julho em meio à crise americana, que não terminou até hoje. E é exatamente sobre ela e todo o sistema corrupto e falido que levaram a sua formação que o filme discute, ou melhor, critica, ironiza e debocha.
De forma totalmente parcial, Michael Moore produz um documentário que mostra as diversas faces do capitalismo ao longo do século XX até os dias de hoje, começando da retomada do sistema financeiro após a Crise de 29 com o governo Roosevelt, passando pelo capitalismo de classe média, com o Welfare State nos meados do século, e chegando na depreciação do sistema a partir do governo Reagan principalmente, depreciação que se intensificou até os dias de hoje, segundo Moore.
Em 1929, os Estados Unidos sofreram uma forte crise que se transladou por todo o mundo. Essa crise foi causada, simplificadamente, por uma superprodução que não foi consumida, levando a queda brusca dos preços. Os agricultores, sem ter onde armazenar sua grande colheita, tiveram de fazer grandes empréstimos e logo perderam suas terras, assim como as indústrias que não conseguiam suprir os gastos da produção pois seus produtos não eram comprados. Isso levou ao desemprego em massa e as bolsas de todo o mundo quebraram.
Então, o eleito presidente Franklin Roosevelt adotou uma nova política econômica totalmente diferente do então vigente liberalismo para recuperar os Estados Unidos: fez grandes obras de infra-estrutura, criou vários empregos assim como o salário-desemprego, etc. O racista Franklin Roosevelt é visto como um herói no documentário de Michael Moore, esquecendo-se que um dos fatores que ajudaram a recuperação dos Estados Unidos foi a entrada do país (determinada por ele) na Segunda Guerra Mundial, na qual mais de setenta milhões de pessoas morreram. Porém, é incontestável que as medidas políticas adotadas por ele, chamadas New Deal, reergueram seu país e aumentaram muito a qualidade de vida dos norte-americanos.
Esse tipo de postura econômica adotada por Franklin Roosevelt é chamada de keynesianismo e perdurou até 1970 quando o neoliberalismo foi adotado no Consenso de Washington. Nesse período, a classe média dominou os Estados Unidos e o capitalismo se mostrou “amigo” das pessoas. Michael Moore se mostra como criança e diz que adorava essa época, pois podia ter tudo o que queria, seu pai, funcionário de uma fábrica de velas, poderia dar-lhe tudo como cidadão da classe média. Todavia, Michael Moore não retrata apenas o lado bom e mostra que todo o bem-estar das classes ricas e médias da época estava apoiado sobre uma classe pobre, operária que vivia precariamente e sobre a destruição da Europa e Ásia que recorria a altos empréstimos dos Estados Unidos para se recuperar.
Contudo, Michael Moore não mostra o fim do keynesianismo como o vilão, mas sim a eleição para presidente de Ronald Reagan (presidente de 1981 a 1989), ex-ator que continuava atuando na presidência para deixar os banqueiros de Wall Street fazerem o que quisessem para aumentar as suas próprias contas bancárias sendo que a sua principal arma era a especulação. Com Ronald Reagan, os banqueiros e empresários tinham um plano simples, “recriar os EUA para servi-los”, nas palavras do próprio cineasta.
Além dos exageros de Michael Moore, sua argumentação é realista e feroz. Segundo ele, a partir desse governo, as famílias foram encorajadas a fazerem empréstimos e consequentemente se afundarem em juros exacerbantes. Assim, a classe média foi se extinguindo – muitos migraram para a classe pobre, pouquíssimos para a classe “privilegiada” enquanto famílias inteiras eram despejadas de suas casas hipotecadas por não terem condição de pagar os crescentes juros.
Wall Street se infiltrou com cargos na política por todos os governos a partir da década de 70. As pessoas não reagiam contra o capitalismo, pois as pessoas temiam o outro sistema vigente, o socialismo, outra arma dos poderosos para intimidar a população. É possível perceber o modelo anti-socialista vigente por toda a segunda metade do século XX nos Estados Unidos quando assistimos aos filmes e vemos os moçinhos norte-americanos salvando o mundo das mãos dos vilões socialistas, frequentemente soviéticos (assista “Indiana Jones”, por exemplo).
O desalojamento de famílias com a casa hipotecada é o tema base para a construção de sua crítica ao sistema, explorando o sentimento das pessoas que têm suas casas tomadas. E o filme varia entre extremos mesmos, entre a tristeza dessas pessoas a comédia e ironia de Michael Moore tentando pegar o dinheiro roubado pelos empresários dos contribuintes americanos com um carro-forte em Wall Street.
Os Estados Unidos são hoje uma nação totalmente liberal, como mostra o documentário. Não há sistemas públicos, as escolas, hospitais, prisões são todas privadas. E isso é realmente um problema, afinal quem não tem dinheiro não conseguirá os direitos básicos que são garantidos em lei a cada pessoa. Os capitalistas usam esse privilégio e roubam as pessoas em situações absurdas, como no caso da cidade de Wilkes-Barre, Pensilvânia, onde o reformatório juvenil foi privatizado e jovens passaram a ser presos por razões absurdas e a ficarem mais do que o tempo previsto, pois o reformatório recebia do governo para isso e o juiz que condenava as crianças era subornado para condenar cada vez mais.
Outro fato absurdo apresentado na reportagem é de empresas (inclusive grandes, como Bank of America, City Bank, Wal Mart, Nestle...) que faziam escondidos seguros de vida de seus funcionários e esperavam a sua morte para lucrar com esses seguros que não eram repassados para as famílias dos mortos. Segundo as palavras do advogado Michael D. Myers, entrevistado por Michael Moore, “num seguro de vida normal, onde alguém se protege contra a perda de um ente querido ou provedor da família, não se deseja a morte dessa pessoa. Com esses seguros, as empresas que os compram, querem que os empregados morram segundo as projeções da apólice. Vale-se mais morto que vivo para uma empresa.” Mas por que as pessoas não reagiam, não iam contra o capitalismo? Segundo o documentário, porque elas também tinham esperança de ficarem ricas – só que os já ricos nunca iriam dividir sua fortuna com ninguém.
E assim, com outros exemplos, Michael Moore conduz seu documentário até chegar a crise financeira atual – um rombo em Wall Street que começou com a crise imobiliária norte-americana. As empresas abriram falência e foram socorridas pelo governo norte-americano. Porém, das milhares de pessoas que perderam suas casas, seus empregos, nenhuma foi socorrida pelo governo norte-americano.
O que o documentário mostra então é uma reviravolta – as pessoas socorrem os bancos de falirem e não serem socorridas foi ultrapassar o que o povo norte-americano poderia agüentar. Pessoas passam a fazer protestos nas ruas, nas empresas, como o caso dos funcionários da “Janelas e Portas República” que invadiram a fábrica e lá se instalaram por quase uma semana por serem demitidos sem aviso prévio, perder seus planos de saúde, entre outros,  chamando a atenção da imprensa e do governo.
As eleições vieram nos Estados Unidos e trouxeram uma nova esperança com Barack Obama, pelo menos é o que Michael Moore mostra no documentário, fazendo de Obama herói de seu filme, assim como fez com Roosevelt. Ele mostra pessoas que realmente acreditam nele e em suas promessas de reerguer os Estados Unidos e ajudar o povo. O problema é que a campanha de Obama também foi patrocinada pelos bancos, logo como ele pode voltar-se contra eles? O “golpe” final é dado quando Obama ganha às eleições e as pessoas se emocionam, crentes em um futuro melhor, apesar de todo o esforço feito pela oposição de denegrir Obama, chamando-o de socialista, um tiro que saiu pela culatra, afinal os americanos já não acreditavam tanto mais no sistema capitalista.
Já passado um tempo e observando as promessas de Obama, observamos que ele na verdade decepcionou, não cumpriu várias de suas promessas e agora tenta se reerguer com uma morte suspeita do odiado pelos americanos Osama Bin Laden. Uma coisa é certa – a crise ainda não acabou nos Estados Unidos.
Fazendo um balanço final do filme de Michael Moore percebemos que ele utiliza de muita ironia e deboche para mostrar o quão sujo e corrupto é o sistema capitalista, como a cena final do cineasta cercando bancos em Wall Street com uma faixa amarela utilizada pela polícia com os dizeres: “Cena do crime. Não ultrapasse”. Deixando o sensacionalismo de Moore de lado, “Capitalismo: uma história de amor” é um filme interessante de se assistir, abre nossos pensamentos sobre como estamos sendo manipulados na esperança de riqueza e prosperidade e como nosso consumismo aumenta a riqueza de poucos em detrimento da crescente miséria da maioria. 

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ônibus 174: o precursor de "Tropa de Elite"

Bem, aproveitando o grande (e merecido) sucesso da Dulogia Tropa de Elite, decidi escrever sobre o filme que, para mim, é o alicerce de ambos . Trata-se de “Ônibus 174”, o primeiro e genial filme de José Padilha. Um filme humanista até o osso.


“O homem nasce bom e a sociedade o corrompe” Jean Jacques Rousseau

Na tarde do dia 12 de junho de 2000, segunda-feira, Sandro do Nascimento sobe no ônibus da linha 174, rota Gávea-Central,no Rio de Janeiro, com um revólver calibre 38 nas mãos. Seu intuito é realizar um assalto. Às 14h20min, uma patrulha da Polícia Militar intercepta o veículo, que seguia pela Rua Jardim Botânico, zona sul da capital carioca. A ação é motivada pelo sinal de um dos passageiros do ônibus. Sem ter como ou para onde fugir, Sandro faz dez reféns, com os quais pretende negociar a sua vida. Os policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) são os encarregados de demovê-lo da empreitada. A televisão exibe o drama dos reféns ao vivo, para todo o Brasil e o mundo.
Essa é a história narrada pelo Documentário “Ônibus 174”, dirigido e roteirizado por José Padilha. Cabe ressaltar que, Padilha é o diretor dos filmes “Tropa de Elite 1 e 2”. Lembrando também que não é coincidência que o capitão do BOPE, tenha o sobrenome Nascimento, o mesmo que o protagonista deste “Ônibus 174”. Na opinião de Padilha, ambos são faces de uma mesma moeda chamada, Sociedade. O Filme tenta retratar de forma humana, a origem de Sandro do Nascimento e como o mesmo acabou se inclinando para o lado da criminalidade.
Ao retratar a origem sofrida e pobre de Sandro, Padilha não tem como objetivo isentar de culpa o protagonista, mas sim buscar as causas que expliquem o seu comportamento. Sobrevivente da Chacina da Candelária, ainda criança viu sua mãe se suicidar, passou por vários reformatórios, morou nas ruas, esses são alguns dos argumentos exibidos no documentário sobre a vida de Sandro. Padilha utiliza o passado sombrio do sequestrador para que possamos refletir sobre os métodos utilizados pelas instituições sociais e políticas do Estado e como as mesmas parecem que, ao invés de reabilitar os jovens marginais, acabam os tornando ainda mais marginalisados..
Utilizando a teoria do filósofo Franco-Suíço Rousseau, chamada “O Bom Selvagem” onde o mesmo explicita que é a sociedade que induz os homens a serem bons ou maus, Padilha faz com que pensemos sobre a corrupção dos valores legais, éticos ou morais que nos envolvem. Em um determinado momento do filme, quando o seqüestro do ônibus é televisionado ao vivo, o filme evidencia um apresentador de programas policiais criticando o seqüestrador de forma pejorativa, sendo que o ideal seria buscar as causas e não as conseqüências que levaram Sandro a agir de tal forma. Tentando não tirar considerações ou conclusões precipitadas e parciais, o documentário traz depoimentos de pessoas (algumas sem serem identificadas) com as mais diferentes opiniões acerca do episódio. Para o diretor do documentário, não cabe identificar um culpado, mas sim estabelecer um estudo sociológico sobre as causas de tal acontecimento. O despreparo da polícia ao lidar com o caso, a negligência das autoridades políticas perante a desigualdade social, a espetacularização do caso, sendo transmitido ao vivo pela televisão,são alguns dos pontos questionados pelo ducumentário.Tanto que, em um determinado momento, o governador do Rio de Janeiro na época, Antony Garotinho, proibiu que um atirador de elite, que tinha o sequestrador sob sua mira, matasse o seqüestrador, porque o sequestro do ônibus era transmitido ao vivo. Ou seja, a preocupação com a repercusão da possível morte do sequestrador ao vivo pela TV, poderia abalar a popularidade do governador.
Afinal, Sandro do Nascimento é vítima ou bandido? Ambos. Ele é o resultado de uma sociedade atroz, desigual, corrupta e inoperante. É como se José Padilha com esse documentário, erguesse um espelho perante nós e dissesse; Esta é sociedade em que nascemos, vivemos e que vamos deixar para os nossos filhos e netos. Vamos deixar que mais Sandros continuem a surgir? Será que a corrupção policial é culpa dos policiais ou do próprio Sistema de Segurança? Ao mostrar Sandro como uma vítima, José Padilha não o redime do crime cometido, mas sim o mostra como uma simples engrenagem de um complexo sistema social que os jornais em geral,nos negligenciam. Já ao retratar Sandro como bandido, Padilha evidencia de forma clara, a frieza e a maldade do sequestrador perante suas vítimas, contrabalanceando o caráter dele de forma sensível e humanista.Isso mesmo, humanista. Este é com certeza um dos filmes mais humanistas já feitos pelo cinema brasileiro. Mostra as origens de um sujeito marginalizado e fruto de uma sociedade moldada por nossa inoperância e pelo nosso ceticismo político. Julgar Sandro do Nascimento com adjetivos pejorativos não vai nos levar a lugar algum. Sandro do Nascimento deve ser estudado e entendido em sua plenitude, desde sua origem pobre até sua morte em um camburãol, após uma má sucedida operação policial, que vitimou não só a ele, mas também a professora Geísa, que estava no lugar errado e na hora errada. Quantos Sandros continuam a surgir? Quais medidas devemos tomar para evitar que mais Sandros surjam? A sociedade nos molda ou a moldamos? A corrupção é um fator universal ou nacional? Essas e outras questões nos rodeam após os créditos finais do documentário. Buscando nos dar mais perguntas do que respostas, José Padilha abre o caminho para que seu filme seguinte, “Tropa de Elite” nos mostre a outra face da moeda da sociedade, o Capitão Nascimento, um policial do BOPE, que como já foi dito anteriormente, não por coincidência carrega o mesmo sobrenome do protagonista de “Ônibus 174”. Para Padilha, ambos são resultados da mesma experiência social. Frutos de uma mesma árvore podre que continua a nos alimentar. Animais que mordem a mão daqueles que os alimentam. Até quando vamos continuar a criar esses “Frankenteins” sociais que depois de gerados,insistem em nos assassinar? Eu agradeço ao José Padilha, por ter me feito repensar sobre várias questões de nossa sociedade. Eis o papel de um grande filme.


terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dilma, a primeira mulher presidente, espero que não seja a única

Dilma se tornou a primeira mulher a presidir o Brasil. O 5º maior país em área e população mundial, o imã geopolítico da América Latina e um dos países que mais crescem em termos políticos e econômicos no mundo. Mesmo assim, tentam desmerecê-la. Os adjetivos pejorativos variam entre “poste” de Lula, sapatão, terrorista,feia, gorda, “matadora” de criancinhas, lésbica, atéia entre outros. Isso evidencia bem como a eleição presidencial fez emergir grupos que pareciam sepultados há séculos nos porões da Idade Média. A velha mídia, também não poupou esforços para desqualificar Dilma, usando de canalhice e banditismo típicos da Inquisição para desqualificá-la. Mas, Dilma venceu com 55 mihões de votos.
Já a oposição marcou sua campanhapor uma série de equívocos.Demorou a escolher o vice de Serra, brigas internas, baixarias que fizeram PSBD e ARENA(DEM é pra quem tem memória curta) flertarem com a Teocracia(Evangélicos e Católicos) e pelo péssimo candidato, escolhindo mais a base da força do que pelo bom senso. Resultado? Uma campanha confusa que ora mostrava o candidato como “zé”, ora mostrava Lula em seu programa, como Estadista(PSDB não era oposição?) e FHC, que é o padrinho de Serra,que só apareceu no final. Resultado? Um vexame típico de quem faz de tudo pelo poder.
Sinceramente, espero que a oposição repense suas táticas e que volte a trilhar um caminho que se paute pela política e não pela bíblia. Uma oposição coerente e firme, é necessária, é salutar.

Marcado pelo lema “para o Brasil continuar mudando”, Dilma assume o Brasil no dia 1º de Janeiro de 2011, sob uma grande pressão de como será formado o seu governo, agora que o PMDB faz parte dele. Antes, o partido de Temer, apenas apoiava o governo de Lula. E eis o grande enigma da Esfinge; Como se comportará o PMDB no poder?
Sempre achei o PMDB, o pior partido do país. Por que? Pois é uma caixinha de surpresas. Possui um corpo parlamentar vasto e contraditório, capaz de abrigar todo o tipo de político. Ai jaz, na minha opinião, o papel primordial de Michel Temer, como vice presidente. Goste ou não dele, Temer tem um perfil notório de conciliador e diplomata político, no sentido de apaziguar as diferenças dentro do PMDB. Caberá a ele, um papel primordial a fim de garantir a Dilma, maioria confortável na Câmara e Senado, para que a mesma, consiga governar de maneira segura. Mas, uma fagulha nesse rearranjo parlamentar, pode causar um incêncio de grandes proporções na governabilidade de Dilma.
Acredito que o primeiro ano do governo Dilma, deve-se pautar por uma tentativa aberta de diálogo entre os partidos governistas, afim de evitar maiores problemas que possam criar atritos entre governo e oposição. Mas Dilma, que tem experiência política(Era ocupante do segundo cargo mais importante do executivo) terá capacidade suficiente para lidar com isso de maneira segura.
Eleger Dilma, representa um avanço em termos democráticos. Mulher, militante na ditadura(sendo inclusive presa e torturada), inteligente(Possui doutorado em Economia), representa o ideal de que a mulher pode sim, participar da política e exercer cada vez mais o poder de forma forte e segura. Que seu exemplo se espalhe pelo país e por que não, pelo mundo.
Parábens Dilma, nossa primeira Presidenta do Brasil