Ao final da exibição de “O
Clube “, o novo filme do diretor chileno Pablo Larrain, uma frase vinha em
looping na minha mente como uma espécie de mantra: “Se não existissem pobres,
os santos não seriam necessários”. Essa frase foi proferida no início do longa
por um personagem e define bem o papel dos padres na América Latina: a
representatividade divina em meio as tragédias sociais do povo americano. E que
tragédias!!
O filme se passa em uma
cidade litorânea chilena e conta a história de padres e de uma suposta freira,
que por algum motivo foram afastados de suas funções eclesiásticas. Vivem em
uma espécie de retiro, onde só podem se comunicar entre si e passam o dia entre
orações, refeições e treinando um cão de corrida para que participe de uma
competição local. Tudo parece mudar graças a chegada de um padre, supostamente
envolvido com casos de pedofilia e de uma de suas vítimas à cidade, que passa a
persegui-lo de modo que o padre comete suicídio. Para investigar o ocorrido, um
outro padre mais jovem e aparentemente de uma ala menos conservadora da Igreja,
decide residir junto aos outros para confrontá-los perante seus pecados
passados. Claramente se referindo ao novo momento da Igreja Católica (um dos
personagens chega a definir o novo padre como “um franciscano” em uma clara
referência ao novo Pontífice) o longa busca por meio da fotografia cinzenta e
cheia de sombras, ressaltar a escuridão do caráter dos padres. Em determinados
momentos, a câmera busca desenquadrar e tornar turva a ação que ocorre na
narrativa- o que aliás é uma característica de Larrain também usada no seu
outro filme,”No”- para enfatizar a perplexidade e confusão de suas ações
passadas e atuais.
Na medida que a narrativa
avança, vamos testemunhando as atrocidades cometidas por aqueles velhos padres.
Em um grau de cinismo que beira o inacreditável, nenhum deles parece se
arrepender de seus crimes. Pelo contrário, se vangloriam e até mesmo justificam
os atos em nome “de Deus”. Confesso que em certos momentos, senti ânsia de
vômito e tive repulsa ao que era narrado.
O longa busca acompanhar
também o homem vítima dos abusos sexuais do padre suicida e sua sobrevivência
em meio a cidade. Com traumas psicológicos latentes, o homem vive uma relação
de amor e ódio com a religião e com seus traumas de criança. Em um determinado
momento, ao se mostrar homossexual, ele confessa que o padre abusador foi o único a
entender sua orientação e assim, demonstra claramente uma espécie de Síndrome
de Estocolmo que impacta fortemente no espectador.
Outro destaque é o papel
do jovem padre que chega a cidade para investigar seus companheiros. Um
jovem que inicialmente se apresenta como
uma salvação a velha estrutura da Igreja, mas que aos poucos se mostra um
defensor ferrenho da velha Igreja ao ponto de fazer qualquer coisa para
preservar a honra da mesma.
Com uma boa reviravolta
no final, o filme apesar de repugnante na temática, é didático na forma como a narrativa
exibe e enfatiza todos os crimes cometidos pela Igreja Católica e sua tentativa
de expurgar e de evitar trazer à tona toda a sujeira deixada debaixo do tapete.
O longa é fundamental para que possamos repensar nossas Instituições religiosas
e o quanto que as mesmas nos corrompem em nome de um Deus que não passa de um Diabo.Como
bem diz o padre que treina o cachorro de corrida em um determinado momento da
narrativa, “O cachorro se humaniza com meu treinamento”. De pronto, recebe como
resposta do jovem padre “e ele animaliza você”.
Pude relacionar o final do
filme a velha questão atual de que o Papa Francisco representa uma revolução
para a Igreja. Uma bobagem constantemente
proferida e que não reflete a realidade. Mal comparando, seria como se você
tivesse um chefe legal, inteligente, educado, que te respeita e te trata muito
bem. A questão é que mesmo assim, ele continua seu chefe e no menor erro seu ou
se aparecer alguém melhor, mais competente e menos custoso para a empresa, ele
te demitirá do mesmo jeito. É assim o Papa. Ele representa algo maior e mais
poderoso e que nada tem de libertador.
Um filme que não é prazeroso
de assistir, mas essencial pela temática abordada.
Ps: reparem nos detalhes do figurino dos personagens, em especial ao do homem vítima dos abusos do padre suicida.