segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago e a mídia. Uma volta ao Antigo Regime?




Perdemos fisicamente Saramago. Digo fisicamente, pois a sua obra literária é eterna. Não vou mensurar sua capacidade de escrever nem classificá-lo como o maior ou um dos maiores escritores portugueses, pois acredito que toda classificação é reducionista e cá entre nós, Saramago não merece ser classificado em determinadas prateleiras de livrarias.

Mas o que mais me deixa triste é a repercussão de certos veículos midiáticos perante o falecimento do autor de “Ensaio sobre a Cegueira”. Assim como na referida obra, alguns jornalistas parecem ter sofrido da “cegueira branca” e ao invés de analisar a obra de Saramago, passaram a pontuar suas posições políticas e religiosas e pior, julgando o autor português pelas mesmas, como se um julgamento moral tivesse alguma coisa a ver com a sua obra. Quando li “Ensaio sobre a Cegueira”, por exemplo, não me lembro de reduzir a referida obra a uma crítica ao capitalismo ou a sociedade consumista. Um livro clássico é atemporal e por si só, um retrato da humanidade.

Parece que voltamos ao Antigo Regime. Voltaire quando propôs a separação entre Estado e Igreja, acreditava ser mais importante a liberdade de expressão do que nossas convicções sobre a liberdade de expressão. Kant nos dizia que o objetivo da Moral é deixar de ser singular e se tornar coletiva, o que ele chamou de moralização dos valores éticos.

Alguns jornalistas passaram a julgar Saramago por ser ateu e comunista e esqueceram que o mesmo nos deixou livros que vão além de valores morais. Querem “desMORALIZAR” algo que é amoral, ou melhor, que diz respeito apenas ao autor português. Se ele foi ateu e comunista, o que isto me interessa?

A “carolice” de alguns jornalistas se sobrepôs à genialidade literária (essa sim, importante para nós) e começaram a destacar “Seus livros foram criticados pela igreja” ou “apoiou o regime cubano”, como se Saramago tivesse cometido um delito grave e imperdoável.

Assim como disse no inicio, o Saramago, pessoa física, que alguns jornalistas se preocuparam em analisar, pouco me interessa, no melhor sentido da frase. O que me importa é o Saramago dos livros geniais, do caráter íntegro e crítico, o Saramago que me fez redescobrir a literatura portuguesa. Afinal, um escritor que me fez repensar e olhar com mais carinho para a literatura em português não pode ser tratado como qualquer um ou ter suas obras analisadas de acordo com nossas visões morais e religiosas.






2 comentários:

  1. Esse é meu amigo, além de geógrafo foda sabe fazer crítica literária!
    A crítica atual se preocupa com tudo menos a literatura, é só política e mediocridade, não se importa mais com o valor literário das obras, ainda mais quando um autor alcança um patamar que chamamos de universal. A crítica tem verdadeiro ódio desta palavra.
    E os críticos de jornais, então, são mais medíocres ainda! Duvido que conheçam a obra do grande Saramago, são uns bostas, uns vermes. Rua neles!

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  2. pois é, valeu o elogio cara, você é referência pra mim. Eu mesmo li 2 livros dele, o que já me fez ter um imenso respeito e admiração por ele como escritor. e ai, vem uns imbecis e vem criticá-lo por convicções politicas e religiosas? ai é foda

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