quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ônibus 174: o precursor de "Tropa de Elite"

Bem, aproveitando o grande (e merecido) sucesso da Dulogia Tropa de Elite, decidi escrever sobre o filme que, para mim, é o alicerce de ambos . Trata-se de “Ônibus 174”, o primeiro e genial filme de José Padilha. Um filme humanista até o osso.


“O homem nasce bom e a sociedade o corrompe” Jean Jacques Rousseau

Na tarde do dia 12 de junho de 2000, segunda-feira, Sandro do Nascimento sobe no ônibus da linha 174, rota Gávea-Central,no Rio de Janeiro, com um revólver calibre 38 nas mãos. Seu intuito é realizar um assalto. Às 14h20min, uma patrulha da Polícia Militar intercepta o veículo, que seguia pela Rua Jardim Botânico, zona sul da capital carioca. A ação é motivada pelo sinal de um dos passageiros do ônibus. Sem ter como ou para onde fugir, Sandro faz dez reféns, com os quais pretende negociar a sua vida. Os policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) são os encarregados de demovê-lo da empreitada. A televisão exibe o drama dos reféns ao vivo, para todo o Brasil e o mundo.
Essa é a história narrada pelo Documentário “Ônibus 174”, dirigido e roteirizado por José Padilha. Cabe ressaltar que, Padilha é o diretor dos filmes “Tropa de Elite 1 e 2”. Lembrando também que não é coincidência que o capitão do BOPE, tenha o sobrenome Nascimento, o mesmo que o protagonista deste “Ônibus 174”. Na opinião de Padilha, ambos são faces de uma mesma moeda chamada, Sociedade. O Filme tenta retratar de forma humana, a origem de Sandro do Nascimento e como o mesmo acabou se inclinando para o lado da criminalidade.
Ao retratar a origem sofrida e pobre de Sandro, Padilha não tem como objetivo isentar de culpa o protagonista, mas sim buscar as causas que expliquem o seu comportamento. Sobrevivente da Chacina da Candelária, ainda criança viu sua mãe se suicidar, passou por vários reformatórios, morou nas ruas, esses são alguns dos argumentos exibidos no documentário sobre a vida de Sandro. Padilha utiliza o passado sombrio do sequestrador para que possamos refletir sobre os métodos utilizados pelas instituições sociais e políticas do Estado e como as mesmas parecem que, ao invés de reabilitar os jovens marginais, acabam os tornando ainda mais marginalisados..
Utilizando a teoria do filósofo Franco-Suíço Rousseau, chamada “O Bom Selvagem” onde o mesmo explicita que é a sociedade que induz os homens a serem bons ou maus, Padilha faz com que pensemos sobre a corrupção dos valores legais, éticos ou morais que nos envolvem. Em um determinado momento do filme, quando o seqüestro do ônibus é televisionado ao vivo, o filme evidencia um apresentador de programas policiais criticando o seqüestrador de forma pejorativa, sendo que o ideal seria buscar as causas e não as conseqüências que levaram Sandro a agir de tal forma. Tentando não tirar considerações ou conclusões precipitadas e parciais, o documentário traz depoimentos de pessoas (algumas sem serem identificadas) com as mais diferentes opiniões acerca do episódio. Para o diretor do documentário, não cabe identificar um culpado, mas sim estabelecer um estudo sociológico sobre as causas de tal acontecimento. O despreparo da polícia ao lidar com o caso, a negligência das autoridades políticas perante a desigualdade social, a espetacularização do caso, sendo transmitido ao vivo pela televisão,são alguns dos pontos questionados pelo ducumentário.Tanto que, em um determinado momento, o governador do Rio de Janeiro na época, Antony Garotinho, proibiu que um atirador de elite, que tinha o sequestrador sob sua mira, matasse o seqüestrador, porque o sequestro do ônibus era transmitido ao vivo. Ou seja, a preocupação com a repercusão da possível morte do sequestrador ao vivo pela TV, poderia abalar a popularidade do governador.
Afinal, Sandro do Nascimento é vítima ou bandido? Ambos. Ele é o resultado de uma sociedade atroz, desigual, corrupta e inoperante. É como se José Padilha com esse documentário, erguesse um espelho perante nós e dissesse; Esta é sociedade em que nascemos, vivemos e que vamos deixar para os nossos filhos e netos. Vamos deixar que mais Sandros continuem a surgir? Será que a corrupção policial é culpa dos policiais ou do próprio Sistema de Segurança? Ao mostrar Sandro como uma vítima, José Padilha não o redime do crime cometido, mas sim o mostra como uma simples engrenagem de um complexo sistema social que os jornais em geral,nos negligenciam. Já ao retratar Sandro como bandido, Padilha evidencia de forma clara, a frieza e a maldade do sequestrador perante suas vítimas, contrabalanceando o caráter dele de forma sensível e humanista.Isso mesmo, humanista. Este é com certeza um dos filmes mais humanistas já feitos pelo cinema brasileiro. Mostra as origens de um sujeito marginalizado e fruto de uma sociedade moldada por nossa inoperância e pelo nosso ceticismo político. Julgar Sandro do Nascimento com adjetivos pejorativos não vai nos levar a lugar algum. Sandro do Nascimento deve ser estudado e entendido em sua plenitude, desde sua origem pobre até sua morte em um camburãol, após uma má sucedida operação policial, que vitimou não só a ele, mas também a professora Geísa, que estava no lugar errado e na hora errada. Quantos Sandros continuam a surgir? Quais medidas devemos tomar para evitar que mais Sandros surjam? A sociedade nos molda ou a moldamos? A corrupção é um fator universal ou nacional? Essas e outras questões nos rodeam após os créditos finais do documentário. Buscando nos dar mais perguntas do que respostas, José Padilha abre o caminho para que seu filme seguinte, “Tropa de Elite” nos mostre a outra face da moeda da sociedade, o Capitão Nascimento, um policial do BOPE, que como já foi dito anteriormente, não por coincidência carrega o mesmo sobrenome do protagonista de “Ônibus 174”. Para Padilha, ambos são resultados da mesma experiência social. Frutos de uma mesma árvore podre que continua a nos alimentar. Animais que mordem a mão daqueles que os alimentam. Até quando vamos continuar a criar esses “Frankenteins” sociais que depois de gerados,insistem em nos assassinar? Eu agradeço ao José Padilha, por ter me feito repensar sobre várias questões de nossa sociedade. Eis o papel de um grande filme.


Um comentário:

  1. Este tema é da maior importância. Deveríamos trazê-lo à tona sempre, e aprofundar sua compreensão e entendimento.
    “O homem nasce bom e a sociedade o corrompe” Jean Jacques Rousseau

    A corrupção é uma doença.
    Há que se conhecer essa doença e tratá-la na raiz, na origem ou, individualmente e coletivamente,
    nunca seremos potencialmente nós.

    Além de todo o restante da sídrome.

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